Diante de um paciente com diagnóstico de RCUI, deve-se estabelecer o grau de atividade da doença (leve, moderada ou grave) e a extensão da doença (RCU distal, de hemicólon esquerdo ou pancolite).
Para tanto, vale a classificação de atividade da RCU preconizada por Truelove e Witts em 1955, com algumas modificações para o caso da forma grave e fulminante da doença. Detalhes dessa classificação fogem ao escopo deste texto.
Tais sistemas de classificação são importantes como parâmetros objetivos para a tomada de decisão sobre os tratamentos utilizados e mesmo para o acompanhamento posterior de sua eficácia.
No caso da avaliação da extensão da doença, a colonoscopia é o método recomendado, evitando-se o procedimento nas formas muito graves da doença.
TRATAMENTO DA RCUI
Inicialmente são recomendadas medidas gerais como esclarecimento a respeito da doença, incluindo informações sobre seu caráter crônico, necessidade de retornos e o estabelecimento de uma boa relação médico-paciente.
Antidiarreicos e antiespasmódicos devem ser usados com parcimônia pelo risco de desenvolvimento de megacólon tóxico.
Tranquilizantes e antidepressivos, se necessários, podem ser prescritos. Atenção deve ser dada à condição nutricional do paciente e o uso de nutrição suplementar, recomendada para correção da desnutrição e preparo para eventual cirurgia.
A diarreia sanguinolenta pode gerar desidratação, anemia e distúrbios hidreletrolíticos (redução ou aumento na concentração no sangue de substâncias chamadas eletrólitos, como sódio, potássio, cloro e magnésio). Tais desequilíbrios devem ser devidamente corrigidos.
Antibióticos podem ser indicados, a critério médico, em casos graves ou quando há infecção comprovada.
O tratamento medicamentoso da RCU obedece ao esquema tradicional denominado step-up (“de baixo para cima”, já descrito no texto sobre Doença de Crohn).
Trata-se de uma designação que corresponde ao uso inicial de medicamentos com baixo potencial para efeitos colaterais e, na medida em que a doença exigir, progride-se para alternativas mais potentes do ponto de vista terapêutico, porém com potencial maior de efeitos colaterais.
Dessa forma, em pacientes com RCUI leve a moderada, recomenda-se inicialmente o uso de aminossalicilatos orais (sulfassalazina ou mesalazina), medicamentos que têm diversas formulações de acordo com os segmentos intestinais que se deseja atingir.
A associação com tratamento tópico (enema de mesalazina) favorece a resposta terapêutica, reforçando a ação do medicamento nos segmentos distais do cólon e do reto.
Caso o paciente não responda a esse tratamento, os corticoides podem ser acrescentados e retirados paulatinamente tão logo o paciente entre em remissão clínica. Os aminossalicilatos devem ser mantidos por longo prazo (às vezes, indefinidamente) para reduzir a chance de recaídas e prevenir o câncer colorretal.
Os pacientes dependentes de corticoide (pacientes que requerem doses, ainda que baixas de corticoides para se manterem o controle da doença) e aqueles que não obtiveram boa resposta com o uso dos corticoides (após 4 a 6 semanas de tratamento com dose otimizada) devem iniciar medicamentos imunossupressores orais, como a azatioprina (AZA), a 6-mercaptopurina (6 MP) ou o metotrexate (MTX). Nestes casos, exames de sangue periódicos devem ser realizados para monitorização dos efeitos colaterais.
Pacientes que não respondem a esta estratégia são candidatos à terapia com biológicos (Infliximabe e Adalimumabe). Ciclosporina yambém é uma opção, particularmente útil no megacólon tóxico.
Apesar de o tratamento da RCUI ser primordialmente clínico, 25 a 40% dos pacientes necessitarão de tratamento cirúrgico.
Este deve ser realizado por coloproctologista experiente no manuseio das doenças inflamatórias do intestino, e no caso da RCUI em especial, deve conhecer bem as indicações cirúrgicas, o momento adequado da realização da operação, bem como seus princípios básicos.
O princípio básico a norteá-lo é de que a doença é restrita ao intestino grosso, às suas camadas mucosa e submucosa, sendo o reto quase sempre acometido.
O fato de a RCUI restringir-se aos cólons e ao reto – segmentos cuja remoção cirúrgica é possível sem comprometimento das funções nutricionais do aparelho digestivo – ensejou a ideia de que a RCUI é potencialmente curável desde que todo o intestino grosso seja removido (por meio das proctocolectomias totais).
Podem então ser realizadas uma ileostomia definitiva, ou seja, a exteriorização da porção final do intestino delgado através da parede abdominal, ou pelas modernas técnicas de preservação do aparelho esfincteriano anorretal em que se procura evitar a confecção da ileostomia definitiva (proctocolectomia total, confecção de bolsa ou resevatório ileal e anastomose ileoanal), nas quais ou se extirpa toda a mucosa retal, ou se preserva apenas o epitélio da transicção do ânus e do reto.
O acúmulo de grande experiência internacional com as cirurgias de preservação esfincteriana na RCUI tem mostrado, porém, que a longo prazo, apesar da remoção integral dos segmentos acometidos pela doença, em muitos pacientes surgem manifestações inflamatórias no reservatório ileal conectado (anastomosado) ao canal anal.
Levantou-se então a suspeita de que muitos pacientes não se beneficiarão de cura definitiva pelo tratamento cirúrgico.
Outro princípio básico do tratamento cirúrgico da RCUI é obedecer à radicalidade oncológica quando da coexistência documentada ou suspeita de câncer colorretal.
QUANDO OPERAR?
Em circunstâncias específicas, quando o tratamento clínico é afastado de imediato, quer pela complicação emergencial da doença ou quando se evidencia a ineficácia do tratamento medicamentoso, a cirurgia deve ser indicada.
Muitas vezes, porém, os limites entre os tratamentos clínico e cirúrgico não são evidentes, entrando em jogo a experiência e a perspicácia do médico, com a participação ativa do paciente na escolha do tratamento.
Com finalidade didática, a indicação cirúrgica será dividida nos seguintes tópicos: intratabilidade clínica, retardo de crescimento, manifestações extraintestinais, malignização e indicações de urgência.
A intratabilidade clínica chega a responder por até 77% das indicações cirúrgicas na RCUI, sendo a causa operatória mais frequente nessa doença.
Fala-se em intratabilidade clínica quando os medicamentos deixam de ser eficazes, ou quando exigem suspensão de seu uso, por causarem dependência ou efeitos colaterais importantes.
Há, porém, outro grupo de pacientes que desenvolve dependência aos medicamentos, expondo-se aos seus efeitos colaterais e indesejáveis, muitas vezes graves.
É o que ocorre com os doentes que necessitam de uso contínuo de corticosteroides, e que desenvolvem doenças por seus efeitos colaterais, como síndrome cushingoide, hipertensão arterial, úlceras gastrintestinais, osteosporose e fraturas ósseas, diabetes, alterações psíquicas graves, catarata, entre outras.
Também é intratável clinicamente o paciente que exige numerosas internações e não consegue manter nível nutricional adequado. Ou ainda aqueles raros doentes que, alérgicos, limitam drasticamente o uso dos medicamentos recomendados.
O paciente deve participar ativamente da indicação cirúrgica, balanceando as vantagens e desvantagens da operação, bem como os riscos de insistir no tratamento clínico, protelando indevidamente uma cirurgia que, como já dito, tem potencial curativo.
O retardo do crescimento em crianças e adolescentes acometidos pela enfermidade pode ser causa de até 3% das indicações cirúrgicas na RCUI. É indicação formal de cirurgia e deve ser feita enquanto o paciente ainda tiver condições de voltar a crescer, para evitar a baixa estatura no futuro.
As manifestações extraintestinais podem ser causa de até 3% das indicações cirúrgicas na RCUI. Por exemplo, as artrites incapacitantes e doenças dermatológicas graves, como o pioderma gangrenoso, que não respondem ao tratamento convencional. No entanto, raramente as manifestações extraintestinais são a causa única da indicação cirúrgica.
A RCUI é uma doença pré-maligna, sendo o risco de desenvolvimento do câncer colorretal muito maior do que o da população geral, especialmente naqueles pacientes com duração da doença maior do que dez anos, e principalmente nas colites de longa duração e que acometem todo o órgão (pancolite).
Lembrar que a degeneração maligna pode ser multifocal, ou seja, ocorrer ao mesmo tempo em mais de um segmento dos cólons e reto. A presença de câncer é indicação formal de cirurgia, podendo responder por até 2,7% das indicações cirúrgicas.
Devemos ainda mencionar o estado de “câncer iminente” (impending cancer), cujas biópsias seriadas de mucosa cólica em colonoscopias anuais de seguimento, especialmente nas pancolites de longa duração, podem detectar displasias graves, levando à indicação cirúrgica antes que o câncer se desenvolva.
As principais indicações de urgência são o megacólon tóxico e a hemorragia maciça.
O megacólon tóxico, rigorosamente monitorado clínica, laboratorial e radiologicamente, e que não responde ao tratamento clínico otimizado, leva a indicação cirúrgica imediata, pelo risco de perfuração intestinal, que é quadro extremamente grave.
A hemorragia maciça, com colapso circulatório agudo e grave é de ocorrência rara na RCUI. Portanto, deve ser tratada cirurgicamente.
O tratamento cirúrgico eletivo atual baseia-se em três técnicas: a proctocolectomia total com ileostomia definitiva, a colectomia total com ileorretoanastomose (conexão do intestino delgado ao reto, que é preservado) e a proctocolectomia total com anastomose ileal e confecção de reservatório ileal, uma “bolsa” confeccionada com o intestino delgado que é conectada ao ânus, com a finalidade de manter a continência fecal.
A SII (síndrome do intestino irritável) tem como conceito o distúrbio funcional intestinal crônico.
Os critérios de Manning (1978) ajudam no diagnóstico e pelo menos dois ou mais deles devem estar presentes: fezes soltas ao início da dor, evacuações mais frequentes ao início da dor, dor que é aliviada logo após a evacuação (muito embora, frequentemente, volte a piorar em seguida), distensão abdominal (barriga inchada), muco (ou catarro) nas fezes e sensação de evacuação incompleta.
Em 1994 foram estabelecidos por um painel de estudiosos os critérios de Roma, que definiram os critérios norteadores do diagnóstico e os subtipos de classificação da SII: constipativa (SII-C), diarreica (SII-D) e mista.
Esta afecção tem predomínio na faixa etária que vai dos 25 aos 40 anos, no sexo feminino (numa proporção de 2:1) e uma prevalência de 5-20%, ou seja: até um quinto da população mundial se enquadra no diagnóstico de SII, apesar de que uma proporção menor destes casos procurará auxílio médico.
A fisiopagenia (ou seja, as causas e mecanismos por trás da SII) não está totalmente esclarecida.
Trata-se de uma condição multifatorial e heterogênea, com alterações dos mecanismos e padrões da motilidade (que é a capacidade dos diversos segmentos do intestino de “empurrar” adiante o seu conteúdo, da sensibilidade visceral, da modulação entre os sistemas nervosos central, autônomo e entérico (que nada mais são que as terminações nervosas presentes no intestino), de fatores psicossociais e de inflamação da mucosa, contribuindo isolada ou conjuntamente.
O diagnóstico é essencialmente clínico, estabelecendo correlação com os critérios de ROMA (atualmente, ainda é mais usada e edição de 2006, também chamada de ROMA III. A quarta edição – ROMA IV – com importantes alterações, começa a substituí-la).
São eles, dor ou desconforto abdominal recorrentes em ao menos três dias por mês, nos últimos três meses, associados a duas ou mais das seguintes ocorrências: melhora do desconforto com a evacuação, início da dor associado a alteração na frequência das evacuações ou com da forma e aparência das fezes.
Porém há outros sintomas que, quando presentes, auxiliam no diagnóstico: três ou menos evacuações por semana ou mais de três evacuações por dia. Fezes endurecidas ou amolecidas.
Esforço evacuatório, urgência para defecar, sensação de evacuação incompleta, evacuações com muco e meteorismo – termo utilizado para descrever a presença ou formação de gases no aparelho digestivo.
O diagnóstico diferencial da SII, ou seja, outras doenças que podem cursar com sintomas semelhantes e, portanto, podem tornar o diagnóstico difícil ou confuso, incluem, em sua forma diarreica (SII-D): colites, doenças inflamatórias intestinais (DC e RCUI), intolerâncias alimentares, síndrome disabsortivas e neoplasias neuroendócrinas. Já na forma constipativa (SII-C), deve ser feito com: constipação secundária (erro alimentar, de causa endócrina – como nos hipotireoidismos, farmacológica, neurológica, metabólica, etc), inércia cólica, síndrome da evacuação obstruída e neoplasias.
Portanto, apesar de tratar-se de uma condição de diagnóstico clínico na maior parte das vezes, frequentemente é necessário lançar mão de exames complementares a fim de diferenciar a SII de outras doenças, posto que a abordagem terapêutica é bastante distinta.
O tratamento deve ser individualizado para cada paciente, considerando o gênero, idade, estilo de vida, outras condições de saúde e pode incluir desde a ingesta de fibras, aumento do consumo de água até a prescrição de laxantes, antidepressivos, ansiolíticos.
Há uma grande gama de medicamentos específicos, desenvolvidos para tratar a SII, em cada um de seus subtipos.
No entanto, é interessante notar que praticamente todas as opções de tratamento da SII têm efeito quase similar ao placebo, ou seja, não demonstraram em estudos científicos de modo consistente e reprodutível que sejam de fato úteis e modifiquem o curso clínico da SII.
Dentre estas opções, há antiespasmódicos como o brometo de cimetrópio, o brometo de pinavério, brometo de otilônio, a trimebutina e a mebeverina.
A loperamida é utilizada como antidiarreico em casos selecionados. Antagonistas e agonistas dos receptores da serotonina como o alosetron, o azasetron, o cilansetron, o dolasetron, a pucaloprida, o tegaserode, o piboserode, a buspirona e o sumatriptano têm sido utilizados em graus variados, sendo que no Brasil utilizamos basicamente a pucaloprida e o tegaserode.
O papel da psicoterapia comportamental está bem definido como um auxiliar importante para a SII. De fato, é inegável que os períodos de maior ansiedade parecem funcionar como gatilhos para os sintomas ou crises.
Portanto, tratar as causas ou aprender a conviver com as situações que geram ansiedade parece ser de grande valia para evitar as crises recorrentes do SII.
Como costumamos reforçar com nossos pacientes, a SII é uma síndrome, não propriamente uma doença.
Síndromes são “coleções de sintomas”, que ocorrem de um modo relativamente constante em grupos de pacientes.
Algumas síndromes, com o tempo e pesquisas, acabam sendo relacionadas com um agente causador específico (como um agente infeccioso, por exemplo). Nestes casos, tratando-se a causa, cura-se também a síndrome.
No caso da SII, apesar dos grandes esforços de pesquisa nos quase cem anos desde que foi inicialmente descrita, jamais se identificou um agente causador ou mesmo alterações biológicas identificáveis que possam fechar o seu diagnóstico.
Dessa forma, é importante que os pacientes acometidos compreendam isso: que não é realista buscar uma cura para a SII. Mas que é possível controlar seus sintomas e aprender a conviver com ela com um mínimo de impacto nas atividades cotidianas, sociais e de trabalho de cada um.
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