Incontinência Fecal

Incontinência Fecal pode ter um impacto devastador sobre a qualidade de vida das pessoas.

Os principais efeitos incluem vergonha, isolamento social, solidão, depressão,

baixa autoestima e dificuldades no ambiente de trabalho, até mesmo com perda do emprego.

Dermatites perineais e infecções urinárias de repetição também podem ser uma advir de uma incontinência.

Qual o impacto socioeconômico da Incontinência Fecal?

É uma das causas mais comuns de institucionalização de pacientes idosos em asilos, devido à dificuldades em seu manejo por familiares ou cuidadores.

Sangwan e Coller detalharam o enorme impacto socioeconômico da incontinência fecal na sociedade. Além do custo para o tratamento da incontinência em si, existem as inúmeras outras alterações provocadas por esta doença.

Transtornos psíquicos, como alienação social, pessimismo, baixa autoestima, embaraço pelo odor das fezes e queda da libido por causa do medo da perda involuntária das fezes durante o ato sexual são queixas frequentes do paciente incontinente.

Nos Estados Unidos, estima-se que sejam gastos anualmente entre 16 e 26 bilhões de dólares no tratamento de pessoas com incontinência fecal. Não dispomos de estatísticas confiáveis no Brasil, mas pode-se inferir um impacto econômico significativo aos sistemas de saúde e pacientes.

O que é Incontinência Fecal?

A incontinência fecal é habitualmente definida como a perda involuntária de fezes sólidas ou líquidas, muco ou gases.

A frequente alteração da consistência das fezes, bem como da frequência evacuatória, podem também fazer parte dessa definição.

A urgência evacuatória determinando uma incapacidade de controlar as fezes até o momento e local adequados para uma evacuação é considerada um dos fatores prognósticos mais importantes associados ao aparecimento de incontinência fecal.

A manutenção da continência adequada depende de vários fatores, tais como o estado cognitivo do indivíduo, volume e consistência das fezes, trânsito cólico, distensibilidade e sensibilidade retal, função esfincteriana, sensibilidade do canal anal e integridade dos reflexos retoanais.

Qual a Incidência dessa condição?

A incidência exata da incontinência fecal não está bem determinada em nosso país. Estima-se que até 9% da população adulta seja afetada.

Indivíduos de alto risco para o desenvolvimento de incontinência são: idosos, portadores de transtornos psiquiátricos, pessoas institucionalizadas, pacientes com doenças neurológicas e mulheres multíparas.

Em um estudo holandês, Kok e colaboradores diagnosticaram incontinência fecal em 4,2% das mulheres com idade entre 60 e 84 anos.

Esse índice passou para 16,9% em mulheres acima de 84 anos. Kemp e Acheson encontraram uma prevalência de 9,1% em mulheres acima de 75 anos.

Markland demonstrou a ocorrência de incontinência fecal em 17% dos pacientes em um grupo de mil indivíduos estudados. A maioria dessas pessoas tinha idade acima de 65 anos.

IInyckyj investigou 727 indivíduos acima de 18 anos de uma forma abrangente em uma comunidade canadense. A prevalência de incontinência fecal foi de 2%.

Whitehead e colaboradores avaliaram quase 4.500 pessoas com idade mínima de 20 anos e demonstraram que 8,9% apresentavam sintomas de incontinência fecal.

Essa prevalência aumentava com a idade, sendo 2,6% em indivíduos entre 20 e 29 anos e 15,3% em pessoas com 70 anos ou mais.

A apresentação clínica da incontinência fecal é muito variável. Pode-se apresentar desde um pequeno escape muito eventual de gases ou fezes líquidas até a perda involuntária completa e diária de fezes sólidas.

Qual o impacto na qualidade de vida?

O impacto sobre a qualidade de vida do indivíduo e a maneira como ele encara o problema também refletem o grau de incontinência e a forma de tratá-la.

Pacientes gravemente doentes, restritos ao leito, com problemas neurológicos, demência ou que tenham sérias manifestações psiquiátricas toleram bem o fato de não controlarem adequadamente sua evacuação.

Já pessoas com vida social e profissional ativa não admitem qualquer alteração neste sentido, sendo extremamente exigentes quanto a uma solução completa do problema.

Algumas pessoas simplesmente ignoram ou consideram normal o fato de apresentarem pequenas perdas involuntárias eventuais.

No entanto, quando são questionadas, admitem algum tipo de perda fecal involuntária, urgência evacuatória, incapacidade de controlar a passagem das fezes pelo canal anal ou o uso de forro ou absorvente para proteção das vestes.

Pode existir complicação nos sintomas?

Habitualmente existe uma sequência de piora dos sintomas da incontinência fecal.

O indivíduo inicia com uma incapacidade de controlar os gases, evolui para uma dificuldade de reter fezes líquidas e, por último, passa a perder fezes sólidas involuntariamente.

A urgência evacuatória pode estar presente durante todas essas fases.

Em função dessa sequência, Browing e Parks criaram uma classificação dos graus de incontinência fecal de acordo com o tipo de perda:

Grau 1 – indivíduos completamente continentes;

Grau 2 – pacientes continentes para fezes sólidas e líquidas, mas não para gases;

Grau 3 – pacientes incontinentes para fezes líquidas e gases;

Grau 4 – francamente incontinentes.

Essa estratificação permite classificar o paciente e avaliar a resposta terapêutica de forma mais objetiva. A escala de Kirwan propõe classificação semelhante e é também utilizada por alguns grupos.

Nelson concluiu um estudo com 2.570 pessoas nos Estados Unidos utilizando a classificação de Browing e Parks e demonstrou que 2,2% da população apresentava algum grau de incontinência fecal. Destes, 60% apresentavam incontinência de grau 2, 54% de grau 3 e 36% de grau 4.

Apesar de simples e prática, a escala de Browing e Parks avalia apenas o grau de incontinência, deixando de fora outros dados que são importantes para a avaliação e a evolução do indivíduo incontinente.

A frequência dos episódios, por exemplo, é algo que deve ser considerado. Uma pessoa que apresente uma ou duas perdas acidentais de fezes sólidas por ano sofre muito menos que aquela que perde gases diariamente.

A necessidade do uso de forro ou absorvente para proteger as vestes de forma sistemática também é algo que afeta bastante a vida do indivíduo e deve ser levado em consideração quando classificamos pessoas com incontinência fecal.

Neste sentido, Jorge e Wexner desenvolveram uma escala mais completa e abrangente, que leva em consideração não apenas o tipo de incontinência, mas também a frequência e as alterações no estilo de vida desses indivíduos.

Atualmente, parece mais lógico avaliar o impacto da incontinência fecal sobre a vida das pessoas de uma forma geral. Assim, determina-se a necessidade e o tipo de tratamento de maneira mais individualizada e eficiente.

O problema que surge no uso dessas escalas é que elas avaliam a incontinência fecal de forma muito objetiva, refletindo quase que inteiramente a visão do entrevistador sobre o problema, diminuindo, então, a importância da opinião do paciente.

Para minimizar esse problema, a Sociedade Americana de Cirurgia Colorretal desenvolveu a Escala de Qualidade de Vida da Incontinência Fecal (FIQLS, sigla do inglês).

Tal escala atribui valores a várias frequências e tipos de incontinência, assim como sobre o impacto na qualidade de vida de cada indivíduo baseados em dados subjetivos de gravidade atribuídos pelo próprio paciente.

Existem inúmeras causas para a incontinência fecal, dentre as mais importantes encontram-se:

  • Doença intestinal inflamatória;
  • Uso abusivo de laxativos
  • Encoprese (na criança principalmente);
  • Impactação fecal;
  • Doenças sistêmicas : Acidente vascular cerebral (AVC), Esclerose múltipla, Diabetes melito (DM).

A prevalência da incontinência fecal aumenta com a idade e com a dependência funcional. Perda cognitiva, limitação de atividades e institucionalização prolongada aumentam esse risco. Problemas neurológicos, diabetes, obesidade e mau estado geral de saúde estão frequentemente presentes em idosos incontinentes.

Paridade e prolapso vaginal em mulheres, assim como cirurgia urológica e radioterapia em homens, são importantes fatores de risco para o aparecimento e desenvolvimento de incontinência fecal em pessoas acima de 65 anos.

Há também causas de incontinência fecal relacionadas ao pós-operatório das cirurgias orificiais, especialmente aquelas para o tratamento de hemorróidas, fissura anal e fístula anal.

Trauma local também pode levar à incontinência fecal, além de prolapso retal e parto vaginal.

Qual a principal causa de incontinência fecal em mulheres?

A lesão obstétrica da musculatura anal esfincteriana é a causa mais comum de incontinência fecal em mulheres. Ela é oito vezes mais frequente em mulheres e está associada diretamente ao parto vaginal.

Apesar de frequente, os casos de incontinência fecal após o parto muitas vezes não são diagnosticados, porque as pacientes não os relatam ao médico, por vergonha ou falta de informação.

Em um estudo de Guise, foram investigadas 8.774 mulheres que haviam tido parto vaginal nos últimos seis meses. Destas, 29% relataram episódios de incontinência fecal após o parto.

Quando avaliaram apenas as que tiveram seu primeiro parto, esse índice subiu para 46%. Aproximadamente metade das pacientes apresentava incontinência para fezes sólidas.

Hall avaliou 50 mulheres e encontrou incontinência fecal em 38% delas seis semanas após parto vaginal. Roman e colaboradores relataram índices mais favoráveis: 8,8% de incontinência pós-parto.

Pollack avaliou 349 mulheres após seu primeiro parto 6 meses e 5 anos após o parto vaginal. Encontrou incontinência fecal em 44% e 53% das mulheres, respectivamente.

A incontinência fecal pós-parto afeta a qualidade de vida das mulheres de várias formas. Lo J e colaboradores realizaram um questionário sobre qualidade de vida em um estudo com 1.050 mulheres, que apresentaram incontinência no puerpério e que foram seguidas por dois anos.

Destas, 26% afirmaram que a incontinência fecal afetava sua saúde mental; 51% estavam frustradas ou deprimidas com a situação; 18,5% relataram dificuldade em cuidar de seu filho em função da incontinência; 16,2% tiveram sua vida social alterada pela dificuldade no controle das fezes.

São várias as maneiras com as quais o parto vaginal pode vir a provocar incontinência fecal, mas as duas mais importantes e comuns são a lesão da musculatura anal esfincteriana e a lesão do nervo pudendo, o principal nervo que promove a contração da musculatura do assoalho pélvico bem como a sensibilidade na pelve e períneo.

Um dos primeiros e mais importantes trabalhos publicados sobre a relação de parto vaginal com lesão esfincteriana foi feito por Sultan, em 1993.

Nesse estudo, o autor avaliou a integridade da musculatura esfincteriana por meio de ultrassom endoanal 6 semanas antes do parto e 6 meses depois em 79 mulheres primíparas assintomáticas.

Após o parto, foi encontrado defeito na musculatura anal esfincteriana em 35% dessas mulheres.

Estudo semelhante foi realizado com 23 mães de primeira viagem submetidas à cesariana eletivamente, e nenhuma alteração foi encontrada. Posteriormente, Campbell realizou estudo semelhante com 88 mulheres, 6 semanas após parto vaginal, e evidenciou lesão esfincteriana em 11% delas.

Em um estudo semelhante, Rieger e colaboradores encontraram lesão esfincteriana assintomática em 41% das mulheres 5 semanas após o parto.

A evidente relação existente entre lesão esfincteriana e incontinência fecal pós-parto é bem documentada em vários trabalhos. Nordenstam avaliou 246 mulheres primigestas após parto vaginal, das quais 14% apresentavam lesão esfincteriana; destas, 57% apresentaram incontinência fecal 10 anos após o parto.

Pollack e colaboradores investigaram 349 primíparas com lesão esfincteriana pós-parto. Destas, 44% apresentavam incontinência fecal após 9 meses, e 53%, em 5 anos.

Eason investigou 949 mulheres 3 meses após parto vaginal, e 28% apresentavam algum grau de incontinência fecal, sendo muito mais frequente nas mulheres com lesão da musculatura esfincteriana.

Sendo essa musculatura um dos mecanismos de continência mais importantes, é correto deduzir que sua lesão frequentemente assumirá proporção relevante na incontinência fecal.

Mahony investigou 500 mulheres 3 meses após o parto e encontrou na lesão esfincteriana o mais importante fator de risco isolado para o aparecimento da incontinência fecal.

O parto vaginal é, sem dúvida, o fator de risco isolado mais importante para a lesão do esfíncter anal. Entretanto, alguns fatores aumentam a chance de lesão muscular durante o parto. O mais significativo deles é a utilização de instrumentalização para realização do parto vaginal.

A maioria dos estudos aponta para um risco oito vezes maior de lesão da musculatura anal esfincteriana após o uso de instrumentação, especialmente de fórceps.

Além disso, a queixa de incontinência fecal pós-parto é sete vezes maior nas mulheres que tiveram parto assistido com fórceps quando comparado às que não tiveram nenhum auxílio instrumental.

Zetterström investigou 359 mulheres questionando sobre incontinência fecal 1 dia, 5 e 9 meses após o parto. Destas, 27% apresentaram algum tipo de perda involuntária. O uso de fórceps foi o fator de risco isolado mais importante nesse grupo.

Em um estudo semelhante, Samaraeskera e colaboradores também encontraram no parto assistido por fórceps o mais importante fator de risco para lesão esfincteriana.

Wheeler avaliou lesão da musculatura anal esfincteriana no pós-parto de mulheres primíparas, e o número de pacientes com lesão foi significativamente maior naquelas que haviam sido instrumentalizadas. Vários outros estudos também encontraram resultados semelhantes.

Além do parto vaginal assistido por fórceps, outros fatores já bem documentados contribuem para a lesão esfincteriana após o parto vaginal no primeiro parto. Entre eles, temos o segundo estágio do trabalho de parto prolongado (acima de 60 minutos).

A realização de anestesia peridural aumenta o tempo do segundo estágio, aumentando as chances de lesão esfincteriana e do aparecimento de incontinência fecal.

A idade materna acima de 30 anos e o índice aumentado de massa corpórea materna também elevam a chance de lesão e incontinência.

O peso do feto acima de 4 kg aumenta o risco de lesão em intervalos de 250 g.

O diâmetro biparietal acima de 93 mm, assim como a apresentação occípito-posterior, também são fatores de risco.

Realização de episiotomia, especialmente a mediana, duplica as chances de lesão muscular.

Partos vaginais subsequentes também aumentam a chance de novas lesões esfincterianas.

Aproximadamente 8% das mulheres que tiveram mais de um parto vaginal apresentam novas lesões musculares após cada parto.

Já foi demonstrado que a realização de cesariana eletivamente evita a lesão da musculatura anal esfincteriana. No entanto, os riscos materno-fetais associados a esta prática não permitem que esta seja recomendada como uma regra. Muito pelo contrário.

No entanto, se a cirurgia for realizada durante o trabalho de parto, ela protegerá o esfíncter, mas não evitará o aparecimento de incontinência fecal.

O comprometimento do nervo pudendo é outra causa comum de incontinência fecal após o parto e, também, em alguns casos, de cesarianas realizadas durante o trabalho de parto.

Essa lesão habitualmente ocorre por estiramento do nervo e pode ser diagnosticada por eletroneuromiografia. Nestes casos, se observam sinais de reinervação, que indicam a regeneração nervosa após lesão, na maioria das vezes parcial.

A pesquisa do tempo de latência terminal do nervo pudendo realizada com o eletrodo de St. Marks (PTLNT, sigla inglesa) pode demonstrar alargamento deste tempo. No entanto, devido aos resultados pouco reprodutíveis, controversos e inconstantes na literatura, trata-se de exame em desuso.

Aproximadamente 60% das mulheres com incontinência fecal pós-parto sem lesão da musculatura anal esfincteriana apresentam tempo de latência do nervo pudendo aumentado.

A lesão neurológica, no entanto, parece não estar restrita ao nervo pudendo, mas pode também envolver o plexo nervoso hipogástrico autonômico inferior.

Como vimos, a lesão muscular e neurológica é extremamente comum após o parto vaginal, porém, apenas 30% dessas mulheres são sintomáticas em relação à incontinência fecal. A grande questão é determinar qual o prognóstico futuro das 70% que estão assintomáticas, mas com lesão muscular.

Oberwalder examinou mulheres idosas com aparecimento tardio de incontinência fecal e que tiveram pelo menos um parto vaginal.

Foram encontrados defeitos esfincterianos em 70% delas. Apesar desses achados, ainda não é possível determinar se mulheres assintomáticas com defeito da musculatura anal esfincteriana irão apresentar incontinência fecal ao longo de suas vidas.

Apesar se não existir uma metodologia definida em relação à prevenção da incontinência fecal após o parto vaginal, o médico deve estar atento à presença de fatores de risco. É importante lembrar que este ainda é um assunto delicado para muitas pacientes que se sentem embaraçadas pela situação.

Lo J e colaboradores mostraram, em seu estudo sobre qualidade de vida em mulheres com incontinência fecal pós-parto, que apenas 10% destas procuraram ajuda e relataram o problema ao médico.

Guise mostrou que 40% das mulheres incontinentes no pós-parto apresentavam perdas involuntárias durante a relação sexual e, consequentemente, apresentavam perda da libido.

A maior parte dessas mulheres não relatou o problema ao médico por embaraço ou vergonha, sendo diagnosticado o problema apenas quando indagado.

A investigação e a preocupação do assistente com essa situação devem ultrapassar o período de revisão puerperal habitual.

Quais outras causas estão associadas a incontinência fecal?

Malformações retais congênitas, ou seja, aquelas de nascença, bem como os procedimentos cirúrgicos necessários para sua correção, podem ser causas de incontinência fecal na infância ou mesmo na idade adulta.

A incontinência ou pseudo-incontinência fecal normalmente ocorre por impactação fecal em pacientes com megacólon ou estreitamento do reto.

Na maioria das vezes, encontramos vários fatores relacionados ao surgimento da incontinência fecal, sendo comum a associação entre eles. Prevenir o aparecimento e o desenvolvimento desses fatores é a principal razão para tentarmos identificá-los.

Como funciona o processo de diagnóstico?

A avaliação do paciente com incontinência fecal (IF) consiste em uma avaliação clínica detalhada, juntamente com o exame físico minucioso, visando obter informações sobre a possível causa, a gravidade e o impacto do problema na qualidade de vida desse paciente.

O exame físico consiste na inspeção perianal estática e dinâmica. A primeira visa evidenciar a presença de prolapso de hemorroidas, dermatite, cicatrizes, escoriações da pele ou comunicação indevida entre o ânus e o reto e a vagina. Na inspeção dinâmica, é solicitado ao paciente que faça esforço evacuatório para investigar a presença de descenso perineal ou prolapso retal.

É realizada, ainda, a investigação do reflexo anocutâneo, a fim de verificar se, ao estimular a pele próxima ao ânus, há contração do esfíncter anal externo. A resposta diminuída ou ausente sugere lesão neuronal.

Ainda há questionamentos sobre a utilidade clínica dos testes na avaliação dos pacientes com incontinência fecal.

Sabe-se que a história e o exame físico têm capacidade de detectar apenas 11% das causas, enquanto os exames complementares revelaram, pelo menos, uma anormalidade em 55% dos pacientes.

A eletromanometria anorretal e a ultrassonografia endoanal são os exames mais úteis na investigação da incontinência.

Outros exames, não amplamente disponíveis e recomendados em pacientes altamente selecionados, incluem a defecografia, a eletromiografia, o teste de latência do nervo pudendo e a ressonância magnética nuclear.

Vale ressaltar que a endoscopia é parte do processo de diagnóstico e tem um valor limitado para a investigação da IF. Porém, ela pode excluir algumas doenças que causam diarreia e produzem muco (proctite, colite, úlcera solitária de reto, adenomas vilosos, tumores etc.).

Os mecanismos de manutenção da continência humana são multifatoriais e complexos. Alterações nesses mecanismos resultam em quadros variáveis de incontinência, sendo essa condição, muitas vezes, de difícil tratamento. Merecem, assim, uma ampla investigação clínica.

Existe tratamento para a incontiência fecal?

Sim. Em razão de sua complexidade, o tratamento da incontinência tem sofrido modificações ao longo das últimas décadas. Procedimentos cirúrgicos complexos apresentam um alto grau de morbidade, nem sempre proporcionando resultados satisfatórios. É o caso das transposições musculares, como de glúteo ou do grácil.

Um dos principais fatores de mau prognóstico para os reparos musculares esfincterianos é a associação de neuropatia pudenda e da síndrome de falência do assoalho pélvico.

A vida contemporânea tem também contribuído com fatores considerados determinantes de resultados insatisfatórios, como a obesidade e a síndrome do intestino irritável.

Dessa forma, o tratamento conservador e, principalmente, mais recentemente, o manejo minimamente invasivo, tem possibilitado resultados clínicos satisfatórios com redução de complicações e do custo final.

O sucesso do tratamento do paciente incontinente depende de um conjunto de medidas adotadas desde a primeira consulta. Acreditamos que o estabelecimento de uma ótima relação médico-paciente, gerando confiança e segurança para o paciente, constitui etapa fundamental para o tratamento.

É importante transmitir esperança num bom resultado, no entanto, não devem ser prometidos ou sugeridos resultados pouco realistas ou que, de antemão e à luz dos resultados dos exames realizados, já se sabe que não se pode obter com o tratamento.

A promessa de resultados não alcançáveis é causa de frustração e não aderência ao tratamento.

Uma vez determinado que o paciente deve ser inicialmente submetido ao tratamento conservador, as opções disponíveis são explicadas e reforçadas durante o acompanhamento.

Inicialmente, deve-se tratar quaisquer doenças que possam estar causando diarreia e, consequentemente, incontinência pelo mecanismo de alteração da consistência das fezes ou redução do tempo de trânsito intestinal.

Os pacientes devem ser submetidos a investigação de intolerância à lactose e  intolerância ao glúten, quando houver a suspeita. Independentemente da causa da alteração da consistência das fezes, a maioria dos pacientes pode se beneficiar com medidas dietéticas ou medicações constipantes.

O simples esvaziamento da ampola retal pode auxiliar na diminuição dos episódios de escape. Desta forma, um bom percentual dos pacientes se beneficia de medicamentos que aumentem a consistência fecal e reduzam a frequência evacuatória e, associadamente, “lavagens” (enemas ou clisteres) que esvaziem as porções finais do cólon e o reto.

Devemos excluir os casos de impactação fecal por meio do toque retal. Nesses casos, o aumento da ingestão hídrica e a adição de medidas tais como utilização de enemas, lavagens retais ou supositórios e programas de reeducação intestinal podem ajudar.

Além disso, devem-se suspender ou evitar medicações que possam causar novos episódios de impactação fecal. Como parte das condutas não-cirúrgicas, devemos incluir também a necessidade de uma boa higiene da região anal, evitando-se a contaminação das vias urinárias e a formação de feridas e assaduras.

O programa de irrigação retal pode ser uma saída para a manutenção de um reto “limpo”. Os pacientes são orientados a introduzir um volume de 500 ml a 1 litro de água morna por via retal, enquanto estão sentados no toalete, promovendo, assim, um esvaziamento do conteúdo fecal. Outra opção é a utilização de um enema de fosfato ou supositórios de glicerina.

Um dos mecanismos de manutenção da continência é a consistência das fezes. Uma simples diarreia por aumento intenso na ingesta de alimentos gordurosos pode gerar episódios de incontinência, principalmente se o paciente apresentar algum outro fator de risco associado.

Pacientes que apresentam distúrbios de motilidade, como a síndrome do intestino irritável, doença diverticular e intolerância alimentar, referem alternância do ritmo intestinal, e, quando, as fezes passam a ter uma consistência mais amolecida ou líquidas, podem apresentar incontinência.

Nesses casos, os melhores formadores do bolo fecal são as fibras solúveis, representadas pela pectina das frutas e legumes e pelos produtos comerciais que apresentam goma-guar, já disponíveis em nosso meio.

O biofeedback é a principal opção não cirúrgica para o tratamento da incontinência leve a moderada, com resultados satisfatórios em torno de 70% dos casos.

É um método simples, sem efeitos colaterais, praticamente sem contraindicações, com exceção nos casos de deficiências auditivas e visuais ou indivíduos desmotivados ou portadores de distúrbios cognitivos.

Diferentes séries na literatura têm demonstrado resultados satisfatórios em pacientes incontinentes, sobretudo quando utilizado como forma de um protocolo de medidas incluindo ajustes na dieta e nas medicações utilizadas.

O mecanismo exato de atuação do biofeedback sobre a musculatura do assoalho pélvico está ainda sendo estudado.

A melhora da incontinência fecal nem sempre se associa a mudanças nas  pressões da musculatura esfincteriana anal. Entretanto, parece haver uma relação com a mudança da percepção retal e da coordenação da musculatura.

O paciente é treinado para perceber o estímulo dessa distensão retal e deve ser capaz de responder rapidamente com uma contração imediata do esfíncter anal externo.

Então, o objetivo do treinamento sensorial é o aumento da sensibilização para a presença de fezes no reto e para diminuir atrasos na resposta à sensação de distensão.

Outras opções surgiram na última década. Agentes de preenchimento anal surgiram com a finalidade de aumentar a barreira anal e ocluir a passagem do conteúdo fecal, por causa da lesão do esfíncter interno do ânus.

Desde o primeiro relato da utilização dessa opção para a incontinência, várias substâncias de preenchimento têm sido propostas. A variedade de técnicas e tipos de substâncias tem tornado difícil a comparação entre os resultados e até mesmo a escolha do agente mais eficaz.

Atualmente, são descritos cerca de dez agentes de preenchimento e, entre as substâncias mais utilizadas, destaca-se o carbono pirolítico em gel (Durasphere). Tem indicações bastante restritas e custo elevado.

A estimulação nervosa sacral ou neuromodulação constitui um dos mais fascinantes métodos minimamente invasivos para o tratamento dos distúrbios do assoalho pélvico, demonstrando significativa melhora da qualidade de vida dos pacientes incontinentes.

Desde o primeiro relato, em 1995, por Matzel, a neuromodulação vem sendo utilizada para diferentes indicações, com resultados satisfatórios e surpreendentes.

Apesar de seu mecanismo de ação ser ainda desconhecido, acredita-se que tenha um importante efeito sobre a motilidade e sensibilidade retal. A melhora da incontinência parece estar relacionada a uma melhor coordenação entre os mecanismos sensitivos do reto e a musculatura esfincteriana.

A neuromodulação é realizada em duas etapas básicas: a primeira, também conhecida como estimulação temporária, consiste na estimulação periférica das raízes nervosas sacrais (S2, S3 e S4), a fim de avaliar a integridade dos nervos da região. A segunda consistindo do implante permanente do estimulador.

O objetivo da neuromodulação seria a estimulação dos nervos mistos eferente, aferente e autonômico.

Porém, os mecanismos exatos e as razões pelas quais os pacientes incontinentes apresentam melhor controle intestinal permanecem desconhecidos.

Entretanto, graças aos resultados altamente promissores, a neuromodulação tem sido indicada para casos de incontinência grave, refratária a outros tratamentos, de origem neurogênica, com musculatura intacta e até mesmo para casos de incontinência associada a lesões musculares e prolapso retal.

Fatores associados aos bons resultados na fase da estimulação temporária foram analisados recentemente, e os únicos que representaram fatores preditivos para o sucesso da técnica foram a técnica adequada da estimulação percutânea e a resposta sensorial dos pacientes durante a estimulação.

O sucesso das diferentes séries publicadas mundialmente tem expandido as indicações até mesmo para pacientes pediátricos.

Apesar dos excelentes resultados publicados nas diferentes séries da literatura, seu elevado custo ainda constitui um dos principais fatores limitantes a sua utilização em nosso meio. No entanto, já está disponível.

O objetivo final e primordial do tratamento da incontinência fecal deve ser a melhora da qualidade de vida. À medida que novas opções minimamente invasivas vêm surgindo, proporcionando uma redução da morbidade e melhora na continência, tratamentos de alta complexidade, como a transposição muscular e a substituição esfincteriana, vêm sendo substituídos e menos utilizados.

A escolha do tratamento deve ser individualizada, iniciando-se com medidas mais simples, sendo possível, porém, associar muitas outras intervenções, que, atuando conjuntamente, poderão finalmente ajudar o paciente incontinente.

O manejo minimamente invasivo da incontinência anal é uma realidade.

Os reparos esfincterianos ou esfincteroplastias constituem os métodos mais comumente indicados no tratamento da incontinência anal e devem ser considerados em pacientes com defeitos bem definidos do esfíncter externo do ânus, geralmente causados por lesão obstétrica, traumática ou por procedimentos cirúrgicos prévios.

A esfincteroplastia é o tratamento de escolha em casos de defeito anterior no esfíncter anal externo, principalmente quando não existe dano neurológico significativo, e as fibras musculares do esfíncter remanescente possuem função contráctil preservada.

O reparo esfincteriano apresenta uma taxa global de sucesso que oscila entre 60 e 70%, quando bem indicada.

O tratamento cirúrgico da incontinência anal deve ser individualizado e capaz de proporcionar a melhora na qualidade de vida, sendo que as diferentes técnicas cirúrgicas devem ser escolhidas com base na história clínica e na avaliação funcional e anatômica da musculatura esfincteriana.

A esfincteroplastia ainda é a opção cirúrgica mais comumente indicada e apresenta resultados satisfatórios quando bem indicada. Em casos mais graves, sem lesão anatômica reparável, a neuroestimulação sacral é, provavelmente, a melhor opção terapêutica.

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