Doença de Crohn - Doença Inflamatória Intestinal

Clinicamente, a doença inflamatória intestinal apresenta-se como condição inflamatória crônica dos intestinos marcada por melhoras e pioras e, em boa parte dos casos, são clinicamente distintas em dois subtipos distintos de doenças: Retocolite Ulcerativa (RCUI) e Doença de Crohn (DC).

No entanto, um percentual de casos não pode ser classificado em RCUI ou CD, recebendo a classificação de Colite Indeterminada (CI).

Não há consenso entre os especialistas se a CI apenas agrupa casos de DC e RCUI que não puderam ainda ser diferenciados (de fato, vários destes casos, com a evolução clínica, serão reclassificados como DC e RCUI) ou se a CI é, de fato, uma doença distinta.

Apesar de sua elevada prevalência, a compreensão dos mecanismos que levam à Doença de Crohn e à Retocolite Ulcerativa permanecem como um grande desafio, a despeito de muitas décadas de pesados investimentos em pesquisa.

Embora o tubo digestivo inteiro seja amplamente colonizado por bactérias, existe entre seus diversos segmentos uma grande variedade na concentração e na distribuição destas.

A colonização bacteriana aumenta de forma exponencial no intestino delgado distal.

No cólon observa-se aumento acentuado da flora bacteriana, na qual coexistem cerca de 400-500, que correspondem a cerca de 60% do conteúdo fecal do intestino grosso.

Uma única camada de células epiteliais separa todo este extenso volume de bactérias do maior aparato imunológico do nosso corpo, formado por uma grande massa de tecido linfático genericamente descrita como GALT (gut associated lymphoid tissue, ou tecido linfóide gastrintestinal, numa tradução livre).

O GALT inclui as placas de Peyer, folículos linfóides isolados e linfonodos mesentéricos. Sendo assim, é notável que a coexistência entre estes dois ambientes de natureza tão antagônica (o meio externo, muito contaminado, e o meio interno do corpo, supostamente estéril na maior parte do tempo) seja capaz de preservar na maioria das pessoas um equilíbrio.

Este equilíbrio, mantido através do nosso sistema imune, impede a ocorrência de uma resposta inflamatória constante e acentuada nos segmentos intestinais.

Sabe-se que a ocorrência de uma doença inflamatória crônica representa a perda do equilíbrio acima citado, constatando-se uma elevação local dos níveis de diversas citocinas (moléculas produzidas pelas células do nosso sistema imune e que são responsáveis por mediar as respostas inflamatórias).

Diversas hipóteses vêm sendo examinadas como possíveis origens deste desequilíbrio imunológico, incluindo predisposição genética, distúrbios da flora bacteriana intestinal, fatores imunológicos e defeitos na barreira mucosa.

Apesar da influência dos fatores acima mencionados, é bem aceito que fatores ambientais; tais como tabagismo, remoção cirúrgica do apêndice (cirurgia de apendicectomia), uso de antibióticos e anticoncepcionais orais modificam a evolução destas doenças ou regulam o risco de desenvolvê-las.

DESREGULAÇÃO IMUNOLÓGICA DA MUCOSA E O PAPEL DA GENÉTICA

Fatores genéticos parecem contribuir para o desenvolvimento das doenças inflamatória intestinais (DII).

De fato, estudos demonstram que irmãos gêmeos univitelínicos (gêmeos idênticos) apresentam risco aumentado de desenvolver DII se comparados a irmãos que não sejam gêmeos idênticos.

A diversos genes têm sido atribuídos papéis na desregulação imunológica da mucosa intestinal, constituindo a base para as teorias da predisposição genética ao desenvolvimento das DII.

DISTÚRBIOS DA FLORA COLÔNICA

Várias bactérias e vírus foram propostos como agentes etiológicos, mas nenhuma comprovação consistente foi demonstrada.

Na verdade, a atividade inflamatória crônica intestinal parece, paradoxalmente, ser desencadeada a partir de bactérias pertencentes à flora comensal normal (ou seja, bactérias que normalmente colonizam o intestino).

Estas assumem, em condições ainda desconhecidas, um papel patológico capaz de ativar o aparato imunológico local. Ou seja: funcionam como um gatilho para o desencadeamento das DII.

Doença de Crohn é uma enfermidade crônica intermitente. Como sabemos, o quadro clínico das Doenças Inflamatórias Intestinais é marcado por períodos de exacerbações e remissões (pioras e melhoras).

Durante as pioras, a gravidade dos sintomas pode variar de leve a grave e durante as remissões, muitos podem desaparecer ou diminuir sensivelmente.

Em geral os sintomas dependem do segmento do trato intestinal envolvido. Inicialmente a DC foi denominada de ileíte regional, devido à preponderância de envolvimento do segmento terminal do íleo.

Nesta doença, 75% dos pacientes afetados têm envolvimento do intestino delgado.

Destes, o íleo terminal é acometido em 90% dos casos. A DC pode afetar qualquer segmento do tubo digestivo, desde a boca ate o ânus, e pode apresentar localizações extra-intestinais (manifestações em órgãos além do intestino), particularmente na vulva, nas articulações, nos ossos, nos músculos, nos gânglios linfáticos, no baço, no fígado, na pele e no pulmão.

Em 30 a 40% dos pacientes com DC, a doença limita-se ao intestino delgado. Em 40 a 50% dos casos, além do intestino delgado há também acometimento do intestino grosso e, em 15 a 25%, a doença esta limitada ao cólon. Geralmente, o íleo terminal é considerado o epicentro da doença, enquanto o reto costuma estar poupado e o duodeno raramente está envolvido.

DC é caracterizada por inflamação aguda e crônica do intestino delgado, cólon e estruturas externas ao intestino. Existem três padrões da doença (também chamados de fenótipos): inflamatório, fibroestenótico/obstrutivo e fistulizante/perfurante.

As manifestações clínicas da doença são múltiplas, pois resultam da localização, do tipo de padrão da doença e da gravidade da mesma.

No entanto, os sintomas que mais freqüentemente encontramos nos pacientes que sofrem desta doença são a diarreia em 70 a 90% dos casos, perda de peso em 65 a 75% e dor abdominal em 45 a 65% dos doentes.

Em 10 a 20 % dos pacientes com DC ocorre perda de peso, cuja causa pode ser a diminuição da ingestão motivada por anorexia ou medo da dor desencadeada pela ingestão de alimentos. Pode também ser conseqüência da má-absorção por causa do comprometimento da função do intestino, bem como da diarreia.

Na caracterização do quadro clínico, uma anamnese (levantamento da história clínica) criteriosa destes doentes é de extrema importância e deve incluir a data de inicio dos sintomas, a evolução dos sintomas, antecedentes de infecções, uso de medicamentos (antibióticos, antiinflamatórios), doenças preexistentes, história alimentar (inclusive intolerâncias), antecedentes de dependências químicas e história familiar.

A caracterização minuciosa dos sintomas: diarreia (número de evacuações diárias, presença de sangue ou muco, diarreia noturna), urgência evacuatória e até incontinência fecal (incapacidade de segurar as fezes); dor ou sangramento anal e retal à defecação, dor abdominal, falta de apetite, vômitos, perda de peso, fístulas, e febre devem ser pesquisados.

É preciso perguntar sobre a duração dos sintomas atuais, despertar noturno, absenteísmo ao trabalho ou escola ou ainda acerca das atividades sociais habituais.

Possíveis manifestações extra-intestinais devem ser investigadas e valorizadas, como artrite, manifestações oculares, doenças cutâneas e eventos tromboembólicos (formação de coágulos nas veias profundas do corpo, principalmente nos membros inferiores).

Na doença limitada ao cólon os sintomas que predominam são febre baixa, mal-estar, dor abdominal em cólica, diarreia e hematoquezia.

O volume da diarreia e da hematoquezia é habitualmente menor nos pacientes com DC se comparados aos doentes com RCUI. A dor abdominal resulta da passagem do material fecal pelos segmentos inflamados e estreitados do intestino grosso.

Doença de Crohn pode iniciar sua manifestação pela evidência de complicações no local afetado ou com sintomas extra-intestinais.

As complicações, portanto, podem ser classificadas em intestinais e extra-intestinais. As intestinais incluem: perfuração, abscessos e fístulas intestinais, estenoses e obstrução, fístulas e manifestações anais.

Megacólon tóxico, uma manifestação em que ocorre a dilatação aguda do intestino grosso, que pode evoluir para infecção abdominal e mesmo perfuração intestinal, raramente ocorre (sendo mais frequente na RCUI).

As complicações extra-intestinais afetam até 25% dos pacientes e podem ocorrer mesmo antes de ser feito o diagnóstico da doença.

As mais comuns são: artrite, espondilite anquilosante, pioderma gangrenoso, eritema nodoso, irite, uveíte, episclerite e colangite esclerosante primária. Detalhes sobre cada uma destas manifestações escapam ao escopo deste texto.

A doença na região ileocólica é a localização mais comum. O quadro clínico com que a doença nesta localização se apresenta é fundamentalmente dor abdominal na região inferior direita ou redor do umbigo.

A dor referida geralmente é em cólica e precede bem como é aliviada à defecação. Caso esteja relacionada à obstrução intestinal intermitente, envolvendo um segmento de intestino estenosado, pode ser acompanhada de náuseas, vômitos e distensão abdominal (inchaço do abdome).

O processo inflamatório pode estender-se às estruturas adjacentes ao intestino e pode ser possível palpar uma massa inflamatória.

Esta costuma ser constituída por intestino inflamado e aderências, assim como espessamento e aumento volumétrico de outras estruturas, como os gânglios linfáticos.

O envolvimento de estruturas do sistema urinário que estão próximas aos segmentos intestinais afetados podem manifestar-se por sintomas para urinar.

A existência de temperatura alta sugere formação de abscesso intra-abdominal, que são coleções de pus localizadas dentro do abdome e que podem ser consequência de perfurações intestinais.

O espessamento e a fibrose da parede intestinal, bem como o edema (inchaço da parede), podem ser detectados em exames de imagem e corresponder a um segmento intestinal estreitado.

As manifestações clínicas de obstrução intestinal variam consoante o grau de estenose e o tempo de evolução da doença.

Assim, os estágios iniciais são dominados pelo espasmo (contrações) e edema da parede intestinal, predominantemente as obstruções intermitentes com sintomas crescentes de dor abdominal após as refeições.

Com o decorrer dos anos a inflamação vai evoluindo para um padrão fibroestenótico e estenótico.

Neste contexto, a diarréia diminui e é substituída por obstrução intestinal crônica. No entanto, os episódios de obstrução aguda não deixam de existir, pois podem ser desencadeados pela inflamação, espasmos, ingestão de alimentos e uso de determinados medicamentos.

Quando a inflamação da parede intestinal é grave, há a diminuição da espessura da parede intestinal, com formação de micro perfurações, fissuras e fístulas – que são a comunicação entre um segmento ou alça intestinal como outras estruturas vizinhas – como as próprias alças intestinas adjacentes, trato urinário, vagina, pele ou mesmo para a cavidade abdominal, com formação de abscessos.

A massa inflamatória e as fístulas podem ser formas de apresentação da doença com envolvimento do intestino delgado.

Nessa doença, as fístulas mais comuns são as fístulas perianais, que se exteriorizam numa região próxima ao ânus, provocando saída de secreção local.

A maior parte das fistulas perianais podem ter origem e trajeto determinados por exames clínicos. Em alguns casos contudo, as fístulas são complexas e apresentam trajetos complicados ou são acompanhadas por abcessos.

As fístulas entre o intestino e a bexiga (êntero-vesicais) são responsáveis por infecções do trato urinário resultantes de múltiplos organismos, manifestando-se como cistites recorrentes, com queixas urinárias variadas.

Quanto às fístulas do intestino para a superfície ou pele (êntero-cutâneas), estas surgem frequentemente em cicatrizes cirúrgicas da parede abdominal, sendo portanto complicações cirúrgicas tardias. As fístulas entre o intestino e a vagina (êntero-vaginais) são raras. Ocorrem muitas vezes após a remoção cirúrgica do útero (histerectomia), manifestando-se com dor à relações sexuais (dispareunia) e corrimento vaginal de odor fétido.

O predomínio de estenoses (ou seja, estreitamentos intestinais), causando sintomas de obstrução intestinal são possíveis. O estreitamento do intestino pode ser produzido por inflamação e edema agudos ou mesmo por fibrose crônica (cicatrização tardia da parede intestinal, que se torna mais espessa e rígida). A existência de fístulas para o estômago, duodeno e o próprio intestino  também são formas de manifestação da doença, levando à ocorrência de vômitos de aspecto fecal e má absorção de nutrientes. Em cerca de 10% das mulheres com DC podem ocorrer fístulas entre o reto e a vagina (retovaginais).

A doença perianal é freqüente na DC e manifesta-se por incontinência fecal, estenoses anais, fístulas anorretais e abscessos ao redor do ânus e do reto (perianais e perirretais). Fístulas na região do ânus ou mesmo fissuras (que com frequência têm aspectos característicos) podem ser a forma inicial de apresentação da DC.

No entanto, nem todos os pacientes com fístulas têm DC, sendo essencial a criteriosa avaliação clínica do especialista.

Na doença com envolvimento do intestino delgado, particularmente na jejunoileíte (acometimento inflamatório das porções iniciais do intestino delgado), a inflamação leva à perda das superfícies absortiva e digestiva.

Da perda de capacidade de absorção surgem alterações no aspecto fecal, com gordura misturada às fezes (esteatórreia), a qual acarreta deficiências nutricionais marcadas.

Estas alterações incluem déficits de oligoelementos e vitaminas que, junto ao uso de corticóides para o controle da doença, muitas vezes levam ao enfraquecimento dos ossos (osteopenia), que pode ser causa de fraturas nestes doentes. O especialista deve estar atento à reposição de cálcio e vitaminas nestes casos.

Na doença extensa do intestino delgado também encontramos manifestações graves do déficit de vitaminas, tamém chamados de hipovitaminoses. Pode haver casos de pelagra (devido ao déficit de niacina), anemia megaloblástica e diarréia biliar (por diminuição da absorção de B12 e sais biliares respectivamente).

As crianças com DC podem ter atrasos de crescimento devido aos déficits nutricionais e à má-absorção.

Nas pessoas jovens, a anorexia e a perda de peso muitas vezes podem sugerir anorexia nervosa, portanto é sempre importante excluir outras possíveis causas. Nas adolescentes do sexo feminino, a amenorréia (interrupção ou retardo no início das menstruações) podem ser manifestação da doença.

O acometimento da boca, esôfago, estômago e duodeno, embora possíveis na DC, são bastante raros.

Para o manejo clínico é importante identificar e documentar o grau de atividade da DC, bem como sua extensão e o seu comportamento (inflamatório, estenosante e penetrante ou fistulizante).

Esta documentação será importante para acompanhar a evolução clínica de cada doente bem como serve de parâmetro para avaliar a resposta clínica ao tratamento.

Para tanto, estão disponíveis índices de atividade para a Doença de Crohn, como o CDAI (sigla para “Crohn’s Disease Activity Index”, ou – numa tradução livre – Índice de Atividade da Doença de Crohn) e o índice de Harvey e Bradshaw, entre outros.

Existem também classificações de comportamento da doença, como a de Viena e Montreal.

A extensão da doença é avaliada por meio de exames endoscópicos e de imagem, como tomografia e ressonância nuclear magnética, particularmente quando realizadas por radiologistas experientes e especializados em doenças intestinais, com protocolos de enterotomografia computadorizada ou enterorressonância nuclear magnética, os quais podem auxiliar a diferenciar um edema de uma fibrose cicatricial como causas de uma obstrução intestinal por exemplo.

Um bom exame de imagem altera significativamente a abordagem terapêutica e mesmo a decisão por uma eventual intervenção cirúrgica.

Além da estratégia tradicional (step-up, ou seja, o escalonamento ascendente dos medicamentos, onde medicamentos mais “fortes” são reservados para os casos em que não houve resposta a medicamentos “mais fracos”), existe, na DC, também a sugestão de uma estratégia mais potente e precoce denominada top-down, ou seja: iniciando-se com medicamentos “mais fortes”.

Na abordagem step-up, iniciamos o tratamento com derivados salicílicos (p. ex., sulfassalazina e mesalazina em suas distintas apresentações) em casos leves de DC comprometendo o cólon e budesonida nos casos leves a moderados de DC ileocecal e/ou do cólon ascendente.

Em pacientes com doença moderada a grave ou naqueles que não obtiveram resposta ao tratamento clínico inicial, corticóides como a prednisona podem ser empregados. Caso o paciente não responda ou se torne dependente de corticóide, imunomoduladores como azatioprina ou metorexato podem ser prescritos.

A não resposta a essas medidas torna o paciente um candidato à terapia biológica, realizada com modernos e sofisticados medicamentos injetáveis da classe dos anticorpos monoclonais (os mais frequentemente utilizados são o infliximabe e o  adalimumabe).

Trata-se de moléculas produzidas em laboratório, de elevado custo mas que revolucionaram o tratamento dos casos mais graves na última década.

Também a terapia nutricional, em geral por via enteral (dietas poliméricas ou oligoméricas – ou seja, suplementos nutricionais “pré-digeridos”), pode ser tentada, em casos em que há desnutrição instalada e a incapacidade de corrigi-la apenas com dieta oral.

Em crianças e adolescentes, a terapia nutricional exclusiva, por 6 a 8 semanas, constitui medida eficaz em boa parte dos casos (resposta clínica em até 70 a 80% dos pacientes).

Uma vez obtida resposta clínica aos medicamentos utilizados para tirar o paciente da crise (é a chamada “indução de remissão clínica”), inicia-se a fase de manutenção. Ou seja: o objetivo passa a ser controlar a doença e manter o paciente for a de novas crises.

A manutenção com AZA ou 6-MP é eficaz, inclusive no pós-operatório. O mesmo se aplica à terapia de manutenção com os biológicos. Os corticoides devem ser sempre que possível descontinuados após desmame gradual. Os derivados salicílicos – como a Mesalazina – são drogas úteis na manutenção após a remissão clínica na DC. A estratégia step-up, apesar de amplamente difundida, não parece afetar a história natural da doença, contudo melhora os índices de qualidade de vida.

Na estratégia top-down inicia-se o tratamento com biológicos e imunossupressores, evitando-se o uso de corticoides. Tal estratégia mostrou-se mais eficaz que a step-up em pacientes com DC moderada a grave.

De fato, a remissão endoscópica em dois anos com a estratégia top-down foi bem superior à obtida com a abordagem step-up (havendo, num importante estudo, uma resposta clínica de 73,1% com a estratégia top-down e 30,4% com a etsratégia step-up, uma diferença que foi estatisticamente significativa).

Também, pelo menos no curto prazo, houve redução nos índices de hospitalização e cirurgia com o uso de biológicos no contexto da abordagem inicial.

Em pacientes com DC moderada a grave, dependentes de corticoide ou refratários ao tratamento habitual, que não havia ainda utilizado medicamentos imunossupressores, a associação de biológico (infliximabe) com um imunossupressor oral (Azatioprina) foi mais eficaz que um destes medicamentos isoladamente (estudo SONIC). Assim, em casos selecionados, como, por exemplo, em pacientes jovens, pacientes com DC perianal e pacientes com DC suficientemente grave para merecer de início corticoide em altas doses, a estratégia top-down parece ser útil, com índices de remissão endoscópica apreciáveis (ou seja: melhora no aspecto endoscópico nas colonoscopias de controle) e potencial para impactar a história natural da doença.

Finalmente, a estratégia “step-up acelerado” também tem sido recentemente  considerada para casos selecionados.

Consiste na utilização de imunossupressores e imunomoduladores orais mais precocemente, por vezes já em combinação com um corticoide, suspendendo-se o corticoide a seguir e mantendo-se o imunossupressor.

Os cursos prolongados de corticoide oral bem como a sua reintrodução frequente não são mais aceitos hoje, devendo-se também evitar o seu uso na terapia de manutenção.

Mais recentemente, atenção especial tem sido dada à questão da recorrência pós-operatória na DC e na possibilidade de se prevenir a recorrência clínica e  endoscópica com tratamento clínico.

Finalmente, a terapia nutricional na DC é recomendada em pacientes com DC desnutridos e naqueles que serão submetidos a tratamento cirúrgico.

A suplementação nutricional, vitamínica e de sais minerais frequentemente é requerida.

Em crianças e adolescentes, como já mencionado, a terapia nutricional (via enteral com sonda ou por via oral, se tolerada) pode ser utilizada como medida exclusiva, em substituição aos corticoides, com nítidas vantagens no ritmo de crescimento (é preciso lembrar que, sendo os corticoides antiinflamatórios hormonais, eles interferem e podem retardar o crescimento de crianças e adolescentes, devendo portanto ter cuidados redobrados com sua indicação).

Os melhores resultados no tratamento do paciente com doença inflamatória intestinal, em especial na Doença de Crohn, dependem da interação entre gastroenterologistas clínicos e cirurgiões, o que influenciará na qualidade de vida do doente.

Os limites entre o tratamento clínico, que envolve o manejo de medicamentos cada vez mais específicos e o cirúrgico, cujos princípios fundamentam-se, de forma geral, em cirurgias conservadoras e minimamente invasivas, não são fáceis de estabelecer.

Isso se deve ao fato de a Doença de Crohn constituir doença crônica, recidivante, cujas causas não são totalmente conhecidas, de tal forma que as indicações cirúrgicas se restringem ao tratamento das complicações próprias da doença, além dos raros casos em que não ocore resposta satisfatória com a abordagem clínica, objetivando sempre a melhora da qualidade de vida do paciente.

Cerca de 70 a 80% dos pacientes portadores de DC serão submetidos a algum procedimento cirúrgico ao longo de seu acompanhamento.

A cirurgia não promove a cura da doença e, portanto, a decisão de operar ou não pode ser difícil e depende da experiência do cirurgião com esse tipo de cirurgia.

A partir da década de 2000, o emprego da terapia biológica e o uso mais frequente de drogas imunossupressoras têm influenciado no momento da indicação cirúrgica, retardando-a ou mesmo evitando-a. Há indícios de que o uso da terapia biológica possa alterar a evolução natural da DC.

Estudo recente mostrou que, apesar de ter ocorrido aumento no número de procedimentos cirúrgicos para correção de fístulas do intestino delgado, o número de ressecções intestinais (remoções de segmentos do intestino) se manteve ou mesmo diminuiu após o uso do infliximabe, dependendo do estudo.

No entanto, mesmo com o emprego de medicações mais complexas, a recidiva da Doença de Crohn após cirurgia pode ocorrer naqueles pacientes considerados de alto risco, como os com idade precoce de aparecimento da doença, antecedentes de tabagismo, história familiar da Doença de Crohn, número de ressecções prévias e presença de fístulas.

Nesse sentido, a decisão pela cirurgia depende da agressividade da doença e sua localização, bem como o acometimento predominante: da região anal, do cólon e/ou do intestino delgado.

Além disso, é importante estabelecer a forma de manifestação da Doença de Crohn, que pode ser inflamatória, estenosante ou fistulizante, sendo comum o aparecimento de mais de uma apresentação clínica concomitante.

A forma fistulizante da doença, no entanto, está relacionada à maior incidência de recidivas e indicações de novas cirurgias durante o seguimento, sendo a forma mais frequentemente encontrada à medida que o tempo de evolução da doença progride.

Hemorragia grave e obstrução intestinal que não respondem ao tratamento clínico, perfuração intestinal livre para o peritônio (ou seja, perfuração seguida por peritonite, que requer cirurgia de urgência) e presença de câncer ou de alterações pré-cancerígenas (como a displasia de alto grau) associados à colite de Crohn, são situações em que há indicação absoluta de cirurgia.

A obstrução intestinal pode ser decorrente tanto do acometimento direto do intestino pela Doença de Crohn, principalmente na forma estenosante, como também da presença de tumores inflamatórios ou abscessos abdominais que comprimem o intestino, estreitando-o.

O desenvolvimento de câncer colorretal em pacientes com Doença de Crohn está associado a estágios mais avançados e a maior tempo passado desde o diagnóstico,  por isso é preciso acompanhamento clínico e vigilância endoscópica cuidadosa, que costuma ser anual após oito anos de diagnóstico da doença, independentemente de sintomas.

Outra causa menos comum de indicação cirúrgica incluem a colite tóxica com ou sem megacólon e manifestações extraintestinais (que são indicações relativas para tratamento cirúrgico da colite por Doença de Crohn).

Como exemplos temos o pioderma gangrenoso, as enteroartropatias (doenças articulares) e as doenças oftalmológicas, como a uveíte.

São manifestações em que usualmente ocorre alguma melhora após a remoção do segmento intestinal acometido, porém raramente constituem indicações cirúrgicas por si mesmas e, quando ocorem,  geralmente estão associadas ao próprio acometimento intestinal que também requer tratamento cirúrgico.

Os princípios cirúrgicos no tratamento da Doença de Crohn incluem: o reconhecimento da extensão da doença – utilizando exames complementares, que ajudam a definiro quanto de intestino e que segmentos poderão ter de ser removidos -, planejamento da incisão abdominal e de eventual confecção de estoma; realizar enteroplastias (correções de estreitamentos intestinais sem a remoção dos segmentos acometidos) e evitar as ressecções intestinais sempre que possível.

Estas, caso realmente necessárias, devem ser econômicas; evitar anastomoses (são as “emendas” ou conexões para interligar segmentos do intestino após a remoção de algum ou alguns deles) em doentes desnutridos ou na vigência de infecção abdominal.

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